Metamorfose Angustiante
*Nessa minha caminhada rumo ao estado inseto, os velhos sentimentos hostis são coadjuvantes, apenas. Rejeições, traições, indiferenças e preterimentos tinham mais importância quando era essencialmente humano. Conforme fui ganhando esse aspecto nocivo, meio mosca meio barata, o nojo, a repugnância e o desejo de matar tornaram-se os protagonistas. Desde que meu pai tentou me matar arremessando aquela maçã podre, me dei conta de meu real estado, definitivamente.
A cada novo dia, a angustia produzida por essa sensação de que a vida está por um fio ou alguma nova má notícia chegará assumiu o controle completamente. O Raul Seixas chamou a metamorfose dele de ambulante por absoluta falta de recursos em seus arquivos. Depois de olhar no espelho e vislumbrar o besouro peçonhento em que se tornara, sentiu sua humanidade se esvaindo inapelavelmente.
Não somos nós os únicos seres em transformação, da espécie perfeita para outra, muito mais nojenta e inaceitável. Em certo grau, todos estão metidos nesse processo.
Como o personagem kafkaniano, diversos fatores contribuem para nos distanciar de nossa forma original. Entre elas, os maiores colaboradores para a nossa mudança sinistra se efetivar são os jovens e sua tendência rústica e maquiavélica em fustigar-nos impiedosamente, sobretudo ao humilhar-nos em nosso envelhecimento, usando, parta tanto, o vigor da mocidade.
Também nós enviamos muitos seres humanos para o ralo na forma de insetos, quando éramos jovens. Parece ser uma lei natural compulsória e inapelável. Estamos recebendo o prêmio por nossa amabilidade para com os indefesos e mal tratados animais nocivos sobre suas bengalas.
Se Deus gostasse de pessoas mais velhas, na terceira idade, na meia idade, ou seja lá a classificação falsa usada, teria feito um salvador de barbas brancas, experiente e repleto de paciência e longanimidade. Para Deus, de velho basta ele próprio. Enviou seu Emanuel na forma mais inaceitável, no vigor da idade, antes de metamorfoseá-lo quase instantaneamente com a ajuda da hostilidade sagaz dos soldados romanos.
Conosco o processo se dá mais lentamente, a cada dia uma nova desgraça peçonhenta é acrescentada no lugar da beleza e da alegria. Essa mudança lenta e angustiante garante todo o sofrimento necessário a satisfazer a sede de sangue e dor dos anjos da morte.
Não se iludam, aqueles a quem mais amamos, não só presenciaram o início de nossa metamorfose angustiante, como contribuíram para sua instalação e ainda darão o golpe de misericórdia colocando nosso corpinho peludo e cheio de patas horripilantes na terra, onde seres em nosso estado final preferem viver. Ali, nos transformaremos em milhares de insetos e voltaremos, em legiões, para atazanar a vida de nossos algozes.
Deus não deseja nos salvar, antes seu plano é vingar-se do seres que ele próprio criou e tornaram-se seus maiores inimigos através da traição. Claro que sou malandro o suficiente para não sair por aí falando mal do Pai Eterno. A Ele dedico meus melhores adjetivos em uma insana tentativa de obter o maldito pão de cada dia ou um pouco mais.
*Anotações realizadas na mesa de um “buteco”, enquanto um velho bêbado imundo e destemperado vomitava esses impropérios. No final, deixei uma nota de cinco reais ao lado da mão direita dele.
Incrível meu amigo, semelhante essa experiência sua, Deus tem me exortado mais nesses botequins, do que nesses estabelecimentos religiosos. Por acaso o amigo teve o cuidado de examinar tal teofania? Tu sabe né, nunca sabemos quando, e como, o Galileu apronta.
Manda esse velho vomitar esses impropérios por aqui!
Grande abraço.
Raulzito, tratou logo de achar um meio(meio insano, mas e daí?)para
antecipar a metamorfose final…
O “velho bêbado”, também não está acomodado…
Se, encontrar o “velho” novamente, dá um abraço apertado nele, pode
ser mais eficaz que os cinco pilas.
Velho bêbado que leu Kafka eu nunca tinha visto.
Jesus devia ser assim tipo um gato, e muito saudável pra caminhar tanto por aquelas bandas empoeiradas e de sandálias.
Essa foto é uma eca.
Se colocarem meu corpinho horripilante na terra menos mau, pior é colocarem num asilo.
Lembro-me de um documentário que um jornalista inglês fez sobre o trabalho de Madre Tereza na India.Vendo-a,lidar com leprosos,realmente por a mão neles,perguntou como ela tinha coragem de fazer aquilo,ao que ela respondeu,psiu!Eles são Jesus disfarçados…Alguma semelhança?
cirrigindo:eles são Jesus disfarçado e não disfarçados