A janta tá na mesa
Sentado nas cadeiras de espera em uma agência da Caixa Econômica Federal, de repente, bati o olho em dois senhores na fila de retirada de senhas. Aparentemente não se conheciam, mas eram parecidos. Provavelmente com dez anos mais do que eu, tinham a cabeça toda branca, eram magros e portavam um imenso chaveiro preso ao cinto da calça. Fiquei imaginando quais suas possíveis atividades e, embora não tenha chegado a conclusão alguma sobre isso, uma coisa é certa, os dois estavam completamente convencidos de suas tarefas, como se o fim da vida não estivesse se aproximando inexoravelmente.
À noite, como costumo fazer às segundas-feiras, postei-me na frente da melhor obra do diabo no Século XX, a TV, para assistir a mais um programa Roda Viva. Coincidentemente, o entrevistado era o pianista – maestro João Carlos Martins, hoje um grande ativista da música clássica junto às classes menos favorecidas. Às tantas ele declarou: “decidi re-inventar minha vida aos sessenta anos, depois de descobrir que não poderia mais tocar piano”; fez mais, disse que seu pai vivera 102 anos e não tinha porque desejar menos e sentia-se cheio de energia para, aos setenta anos, estar cheio de planos.
Nos dois casos, o que se vê são sistemas de crenças parecidos. Embora a limitação tênue da vida seja liquida e certa, vivemos como se tal não fosse. Para os cristãos e as religiões adeptas da Vida Eterna parece haver certa confusão ou mesmo negação em relação à morte, como se ela fosse a falácia. Mas isso ainda não me parece ser o pior, o que mais me surpreende é nossa absoluta redenção aos moldes da sociedade pós-revolução industrial. Casa – emprego – igreja – casa para os adultos e casa- escola – igreja – casa para os menores. Aqueles dois senhores no banco, o maestro pianista e eu poderíamos estar em uma praia, de papo para o ar, tomando uma geladinha até quando o sol permitisse e depois à sombra deitados em boas redes observando o formato lúdico das nuvens, até alguém com voz feminina gritar: a janta tá na mesa.
E quem pagaria a conta? Os três velhinhos, digo quatro, do meu ontem e todos os seus similares, todos crentes em vida eterna.
O INSS pagaria a conta, se a sorte de ser aposentado os acometesse.
Abraço Lou.
O tempo nos leva à falência. Saudades de tu, Lou.
Ainda bem que a tal vida eterna é de graça…conto com isso.
Ficar à toa olhando a vida também…tenho certeza.
Agora, com os milhões da minha aposentaria, jantar ficou fora da minha rotina. Faço uma boa refeição no meio da tarde,e tá bom demais…
Sempre é possível querer estar em outros lugares, transitando entre a obsessão da utilidade e a da futilidade.